"De perto, ninguém é normal. / From up close nobody is normal." (Caetano Veloso)

Friday, June 8, 2007

Politicamento Correto ... Ou Hipocritamente Político ?!

Achei esse artigo ótimo ! Ele não fala tudo, nem daria... Mas pontua muito bem alguns fatos que acho que merecem maior reflexão. O que é melhor: ser sério e frio e aparentemente correto o tempo todo ou deixar o lado humano e caloroso, mesmo sabendo que ele pode machucar mais, brincar por aí ? Será que perdemos a espontaneidade ?


Jeito perigoso de falar
[Reinaldo Polito]

Mesmo que você não tenha intenção de ofender ninguém, esteja sempre atento, pois seu jeito de falar pode não ser considerado politicamente correto.
Vamos começar pelo número de primaveras que você já comemorou. Você dobrou a linha dos 40? Já? Huumm, com essa idade sua situação é delicada e vai exigir cuidados redobrados com a história do politicamente correto.
Explico. Você é de uma época em que tratar o amiguinho de rua por negão ou por pretinho, por japinha, por alemão, era de uma naturalidade tão ingênua que ninguém se incomodava. Lembro-me de quando era garoto, por gostar muito de futebol, todas as vezes que um time grande ia jogar contra a Ferroviária, em Araraquara, eu ficava plantado na porta do vestiário só para observar a saída dos jogadores. Especialmente os craques do Santos e do Palmeiras, que no final dos anos 1950 e início da década de 1960 ganhavam praticamente todos os títulos que disputavam. Certa vez eu estava observando os jogadores do Santos entrarem no ônibus e alguns perguntaram onde estava o Zito. Vários responderam quase ao mesmo tempo: ele foi de carro com o Negão. Esse "Negão" era o Pelé. Era assim que os companheiros de clube naturalmente o tratavam. Com os meus amigos de infância não era diferente. Tive muitos amigos negros. Quando passavam em casa (ou di casa, como diziam no meu bairro), deixavam recado com a minha mãe: avisa que o negão, ou o pretinho, passou "daqui".
Passados alguns anos, a história foi se transformando. Tratar as pessoas usando termos ou expressões que identificavam a cor da pele ou a origem racial passou a ser politicamente incorreto. Num primeiro momento, houve uma fase de transição. No finalzinho da década de 1960 e princípio dos anos 1970, as pessoas começaram a mudar o jeito de falar. Por exemplo, o tratamento passou a ser "pessoa de cor". Durou pouco essa tentativa, pois a questão que se levantava era curiosa: "Pessoa de cor? Mas de que cor você está falando?" Essa observação demonstrava que o novo tratamento também era visto como preconceituoso. Esse período foi bastante delicado para o pessoal mais veterano. Eles não sabiam como agir. Porque não era só uma questão de mudança de hábito, o problema é que eles não tinham a mínima noção de como se comportar. Afinal, como chamar o velho amigo que sempre foi tratado por negão, ou japinha, ou alemão? Tanto não havia desrespeito ou agressão que eles nunca se incomodaram. Ao contrário, todos encararam esse tratamento como uma indicação carinhosa de relacionamento.Quando se iniciou o processo de repúdio a esse tratamento, eu me lembro de ter conversado com alguns dos meus amigos negros (cito os amigos negros porque era muito raro encontrar descendentes da raça amarela no Jardim Primavera, que era o bairro onde eu morava lá em Araraquara), para saber se eles se incomodavam com a forma como sempre foram chamados, e todos disseram que encaravam como forma carinhosa e demonstração de amizade.Hoje aqui, puxando pelo pensamento, não consigo mesmo imaginar como é que o Jurandir poderia ficar chateado com o Serjão, menino de paz e amigo de todo mundo, quando este o convidava com sua voz chorosa: "Oh, Negão, vamos bater loca comigo, vai?" Para quem não sabe, bater loca era a "aventura" de pegar peixe cascudo com as mãos nos buracos (locas) que ficavam nas paredes das margens do rio.Pouco tempo depois, curiosamente, dizer que a pessoa era negra, amarela ou branca também passou a ser visto por alguns como tratamento preconceituoso. Aí os quarentões quase piraram.
E agora, como falar? Afro-brasileiro, nórdico, oriental? O pior da história é que esses tratamentos condenados são usados por quem tem mais de 40 sem maldade e com a mesma espontaneidade de sempre. Só que agora são tachados de criminosos. Sim, porque agora é lei, um crime inafiançável. Antes que os descontentes de plantão se voltem contra mim, quero esclarecer: não estou discutindo o mérito da lei que trata do preconceito. Eu também luto para que essa agressão seja combatida, repudiada e tenha um fim. O que estou discutindo é a situação daqueles que foram criados e formados dentro de uma cultura em que determinadas atitudes eram vistas e aceitas com naturalidade, mas que agora precisam mudar o registro, mesmo não existindo a mínima intenção de agredir. Você ainda é novinho e não entrou na casa dos 40? Então não deve redobrar, mas sim quintuplicar os cuidados com o politicamente correto. O motivo é óbvio. Quem tem menos de 40 já foi educado numa sociedade consciente de que tratar as pessoas pela cor da pele ou origem racial é demonstração evidente de preconceito. Portanto, se cometer esse deslize, não terá desculpa - errou sabendo que estava errando.
Mas qual é o objetivo dessa minha reflexão? Simples. Ao falar em público, seja diante de uma grande platéia, ou para poucos interlocutores, tenha em mente que ser politicamente correto não é sempre conversa de gente chata que não tem o que fazer na vida. É um cuidado que precisamos ter para considerar o próximo, com suas características, anseios, formação e experiências. Por outro lado, não há como esconder o fato de que existe muita gente hipócrita por aí. São aqueles encrenqueiros que adoram uma confusão: tomam tudo ao pé da letra e se dedicam a vigiar cada sílaba do que é dito para cair de pau em cima do desavisado. Como dizia a minha querida professora de arte doutora Marlene Fortuna: "Dá uma enxada para ele, porque o que falta aí é serviço". Entretanto, não se pode vacilar com essa questão. Uma palavra meio atravessada pode comprometer o resultado de uma apresentação. Comece a observar seu jeito de falar, especialmente nas conversas informais, pois a forma como nos comunicamos com as pessoas mais próximas, com pequenas adaptações, é a que também utilizamos para falar em público. Você não precisa nem deve se tornar um chato ou um paranóico como alguns bobinhos que andam por aí à caça de assombrações. Mas fique antenado. Tenho larga experiência nesse tema.
Só para dar um exemplo: quando escrevi o livro "Como falar Corretamente e Sem Inibições", que está na 111ª edição e acaba de comemorar 20 anos de existência com mais de 500 mil exemplares vendidos, tive um problema. No capítulo referente ao medo de falar em público, usei uma citação de um dos mais importantes nomes da história da psicologia, o ex-professor da Getúlio Vargas e renomado conferencista Emílio Mira Y. Lopes. Em uma passagem da sua famosa obra "Quatro Gigantes da Alma", o autor afirma que o medo é o gigante negro. Fiquei atordoado com as cartas que recebi dos leitores me acusando de ser preconceituoso. Observe que fui acusado de ser preconceituoso apenas por usar uma citação extraída da obra desse conceituado estudioso. Se você analisar o livro a partir da quarta edição, vai observar que acrescentei uma nota de rodapé com a seguinte explicação: Emílio Mira Y. Lopes, na sua obra Quatro Gigantes da Alma, identifica cada gigante por uma cor característica - o medo é negro, a ira é rubra, o amor é róseo e o dever é incolor.
Eu, hein! Diante desse campo minado, construído por alguns extremistas exagerados, recomendo que você também tome cada vez mais cuidado para não ser visto como uma pessoa politicamente incorreta. Mas, com equilíbrio, sem paranóia ou hipocrisia.
SUPERDICAS DA SEMANA
- Saiba o que é considerado politicamente incorreto
- Treine nas conversas informais evitar o uso de informações politicamente incorretas
- Observe como o público reage diante de mensagens politicamente incorretas
- Não faça brincadeiras relacionadas com sexo, religião ou origem racial
- Trate as pessoas com o respeito que gostaria que elas o tratassem
→ Obra de minha autoria que trata desse tema:
"Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicada pela Editora Saraiva

Reinaldo Polito
é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal.
Escreveu 15 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares

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